Família encontrou na atividade rural um elo de amor e continuidade.
Vanderlei Zucchi Rodas faz parte da terceira geração da família dedicada ao agronegócio. Seus avós paternos, Felix e Cesária Rodas vieram da Espanha no início do século 20 em busca de uma vida melhor e se estabeleceram na região de Monte Azul Paulista, interior de São Paulo. Somente quando chegavam aos portos brasileiros, as famílias descobriam para qual região do Brasil seriam levadas. A família Rodas desembarcou na estação de trem Dona Luiza, em Bebedouro.
“Meu avô, Félix, trabalhava como carpinteiro na Espanha e, quando chegou ao Brasil, trabalhou na mesma função de graça, em troca de moradia e comida. Só depois de um ano de experiência é que seu patrão o contratou definitivamente”, conta Vanderlei.
Para Vanderlei, seus avôs foram muito corajosos ao embarcarem numa viagem rumo ao desconhecido, repleto de obstáculos, mas cheia de esperança. Começava na fazenda Moderna a saga da família Rodas no Brasil e na agricultura. O casal de espanhóis teve sete filhos: Agostina, Gregório, Theodoro, Maria, Joaquina, Pacífica e Donato.
“Imaginem a coragem dos meus avós de saírem da Espanha com cinco filhos e com apenas 500 réis no bolso. O meu pai, Theodoro e minha tia Maria foram os únicos que nasceram no Brasil. A viagem era feita de navio, demorava mais de 15 dias e de certo a comida não era de graça”, detalha o produtor.
Apesar das dificuldades de iniciar essa história no Brasil, Vanderlei se orgulha de ter tido uma infância feliz: “Minha infância foi muito parecida com a de qualquer menino da minha idade, nascido em 1940. Brincávamos muito! Era uma época na qual não existia ainda a televisão. O cinema tinha começado a ser falado há pouco. A interação entre as pessoas era muito maior. Crianças brincavam, adultos trabalhavam, velhinhos descansavam… Era mais simples a vida! Bem mais simples que conviver com a saudade, essa vilã do passado que incomoda o futuro. O que nos restava então? – Trepar em muros (e regularmente, destruí-los), subir em árvores (e vir ao solo sem machucar-se na queda), fazer buracos no chão (que as vezes desmoronavam) colocando em perigo a vida de todos (sem que disso nos déssemos conta). E não nos preocupássemos com o fato! Adorávamos andar a cavalo, também por aí indo ao chão e perdendo o fôlego com o tombo. A ponto de sairmos rindo do perigo enfrentado, por completo desconhecimento de causa e efeito…. Mas, segundo o conceito “moderno” de felicidade, éramos felizes”.
Uma jornada rumo ao desconhecido
As principais levas de imigração para o Brasil ocorreram entre meados do século 19 e a primeira metade do século 20, com a chegada de portugueses, italianos, espanhóis, japoneses e alemães. Até a primeira metade do século 19, muitos vinham atraídos por terras oferecidas pelo governo brasileiro, principalmente para ocupar o sul do país.
A saída encontrada pelo governo e pelos grandes fazendeiros para substituir os escravos libertos foi incentivar a vinda de mão-de-obra de fora do país. Assim, a nova geração de imigrantes chegava para trabalhar duro nas lavouras, principalmente em São Paulo. Para atrair os estrangeiros, pagavam-se as passagens de navios e eram oferecidos alojamentos temporários até o imigrante arrumar trabalho.
“Diferente do meu avô Felix, o meu avô materno, João Zucchi, saiu da Itália, mas não precisou ser financiado para chegar ao Brasil. Naquele tempo, o país do imigrante arcava com a metade da viagem e a outra era financiada pelo Brasil. Meu avô chegou ao Brasil e desembarcou no Rio de Janeiro, onde pediu emprego numa ourivesaria. Para conseguir o emprego, foi testado a montar um anel chuveiro feito de vários diamantes. Cada pedra é fixada por uma garrinha. O homem ficou maravilhado com o seu método de montagem”, conta sr. Vanderlei.
Mas, o surto de febre amarela entre 1928 e 1929, fez com que João Zucchi mudasse para São Paulo. “Ele fugiu da doença, depois se mudou para Ribeirão Preto e em seguida foi para Jardinópolis, onde conheceu a minha avó. Ele dizia que ela era uma bella bionda (loira linda). Eles se amaram a vida inteira e tiveram 13 filhos, formando uma linda família. Todos viveram muito bem e morreram depois dos 80 anos”.
Epopeia bonita
A história de amor da família Rodas com a terra foi semeada com muito trabalho e dedicação. E todo dinheiro conquistado com muito suor era investido na compra de terras: “Como a nossa família era grande, ganhávamos bem, porque juntávamos todos os salários e dava uma boa quantia em dinheiro. Assim meu avô Felix comprou do próprio patrão um alqueire de terra, depois dois alqueires até chegar aos 18 alqueires”.
A família dividia os afazeres: de segunda à sexta trabalhavam na fazenda Moderna e, nos finais de semana, se dedicavam ao sítio familiar. “Enquanto tivesse lua para enxergar, eles trabalhavam no sítio. Naquela época, o café predominava, mas também plantávamos feijão e arroz”.
A oportunidade da vida do sr. Felix surgiu de forma inusitada: “O patrão do meu avô era advogado e estava de mudança para São Paulo. Foi então que ele ofereceu a fazenda para o meu avô comprar. Ele agradeceu e disse que não tinha dinheiro. Imagine, ele tinha 18 alqueires de terra e como poderia comprar 150? Mas, o patrão queria vender para o meu avô e permitiu que ele fosse pagando conforme pudesse. Meu avô chegou aqui e começou do zero. Mas, tudo que temos hoje é fruto de muito esforço, dedicação, trabalho honesto e correto. É uma epopeia bonita”, fala com orgulho.
A paixão pela agricultura passa de geração em geração. Assim como seu pai, Vanderlei levava seus filhos para a fazenda com frequência, não só para que eles tivessem contato com a natureza, mas para que se apaixonem pelo local. “Morávamos na cidade, mas meu pai sempre nos levava a fazenda e fiz a mesma coisa com os meus filhos”.
“Minha avó dizia que para gostarmos de qualquer coisa, seja pesca, ou até mesmo trabalhar, precisava ser incentivado desde pequeno”, conta o filho de Vanderlei, Thiago Zucchi Rodas, que chegou durante a entrevista e foi complementando as boas histórias do pai.
Vanderlei sempre prezou muito pelo convívio da família na fazenda e conta que tinha uma relação de amor e carinho com os seus avós: “Lembro-me que em Monte Azul tinham tantos espanhóis que quando eu era criança eu aprendi a falar primeiro o espanhol para depois aprender português. Como ficava sentado perto da minha avó Cesária, aprendi primeiro e não conseguia diferenciar as duas línguas. Meu pai nos corrigia dizendo que não era língua espanhola, mas castelhano. Já minha mãe falava tanto francês como italiano e, segundo ela, as línguas eram semelhantes”, conta o agricultor, com riqueza de detalhes.
“Sempre fui muito curioso para conhecer a história dos meus descentes, as minhas raízes. A vida passa muito rápido, hoje já estou com 82 anos. Dizem que os baixinhos envelhecem mais devagar”, diz Vanderlei aos risos.
A citricultura só entrou na história da família Rodas no começo da década de 60. Antes, a produção era 100% focada no café, sob a gestão do Sr. Theodoro: “Começamos na laranja não por amor, mas por obrigação. Tínhamos que tentar algo novo. Meu pai chegou a abrir um armazém grande para sustentar as fazendas, porque estas não estavam dando lucro e laranja mudou isso”.
Encontro dos Zucchi com os Rodas
O bate-papo flui leve e regado de boas risadas. A boa memória do sr. Vanderlei impressiona e ele conta com riqueza de detalhes como o pai, Theodoro conheceu a mãe, Idelvais: “O nome da minha mãe é de uma flor chamada Edelweiss, que nasce em penhascos. Diz a história que às vezes a noiva ficava sem o noivo porque os homens caíam do penhasco ao tentar pegar a flor”, explica Vanderlei, contando que Theodoro não precisou arriscar sua vida para conquistar o coração de Idelvais.
“Antes de conhecer minha mãe, meu pai namorou uma professora chamada Florença que dava aula na fazenda Moderna. Certo dia, ela disse que queria pensar mais sobre o namoro dos dois. Ele disse que quando ela quisesse voltar ele poderia estar com outra e foi o que aconteceu”, conta aos risos, continuando: “Ele foi para Bebedouro comprar um carro que fazia tanto barulho que mais parecia um trem. Eles acabaram se conhecendo através da minha tia Joaquina, que estudava em Bebedouro”.
Logo os dois começaram a namorar, se casaram e tiveram três filhos: Vanderlei, Fábio (in memorian) e Paulo; que seguiram o legado da família dedicando-se a agricultura: “Começamos a trabalhar junto ao meu pai. Fábio e eu cuidávamos da laranja e o Paulinho ficava na parte do gado. Depois que meu pai faleceu ficamos com a fazenda e fomos comprando outras propriedades”.
Vanderlei concluiu a faculdade de engenharia agronômica em 1969, na Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz). “Prestei vestibular no Rio de Janeiro, mas não passei, consegui só depois em Piracicaba. Nessa época, eu já escolhia estudos ligados a citricultura”, relembra.
Com essa paixão, Vanderlei participou de momentos importantes do desenvolvimento da citricultura no Brasil e no mundo. Uma delas foi a primeira viagem dos citricultores de Monte Azul Paulista à Flórida, nos Estados Unidos. Junto a ele, o cooperado José Matta, entrevistado pelo Retratos Uniceres.
“A viagem nos colocou em dificuldades com a língua. Éramos completamente nulos em inglês, mesmo assim, o Zé Matta, conseguiu aprender duas palavras: “One More” que quer dizer “Mais um” em inglês. Chegou a hora de ir a um restaurante e, quando ele foi buscar o pedido, voltou com uma montanha de batatas fritas! E nós: Que é isso Zé? Ficou louco? O que aconteceu? E ele: ‘Não sei! O atendente olhava pra mim, eu falava a única palavra que sei em inglês: One More e o louco foi colocando batatinhas até chegar nessa montanha aí! O que é mesmo One More?’ O Zé até hoje não come mais batatinhas”, brinca Vanderlei, aos risos.
Vanderlei também foi um dos responsáveis pelo controle da Clorose Variegada dos Citrus, praga que assolava todos os produtores: “Essa solução, em colaboração com os americanos, tem nas pessoas do Dr. Ken S. Derrick e Dra. Julia Beretta, dois grandes colaboradores. Foi para mim, uma época de grande participação junto aos americanos e técnicos brasileiros. E nessa vitória da ciência, todos lutaram coesos e ajustados. Foi tudo muito bonito, com relação à participação de técnicos, daqui e de lá. Até hoje, somos amigos”, comenta, lembrando de quando foi um dos primeiros produtores a produzir laranja orgânica.
“Chegamos a produzir cerca de 80% da produção mundial desse tipo de suco. Isto nos levou a novos contatos com técnicos e produtores europeus. Também muitos são amigos e tem ligações conosco até hoje. Destas coisas, nos orgulhamos. Foram trabalhos bem conduzidos e de resultados auspiciosos, para nós e para a Montecitrus que junto à Citrosuco, produziram o suco orgânico”.
Agricultura de gerações
Vanderlei ama o lugar em que vive e esse amor pelo ofício fez com que os filhos Thiago e Theodoro se apaixonassem pela mágica de ver uma semente se tornar uma árvore produtiva: “Eu já nasci no meio da laranja, acompanhava meu pai na fazenda desde pequeno e aprendi a gostar da agricultura. Ele gostava de ir aos finais de semana e, quando cheguei na adolescência isso foi um pouco ruim. Nas férias, trabalhei no turno da noite, supervisionando a irrigação de laranja”, afirma Thiago.
A missão de continuar o legado chega na quarta geração, com os irmãos Thiago e Theodoro, de forma tranquila e estruturada. Assim como o pai, Thiago também se formou em engenharia agronômica: “Eu estudava em Marília, mas tive que trancar a faculdade. Meu pai teve um infarto, depois uma infecção e, por último, um aneurisma, quando ficou internado por um mês”. Disposto a ajudar o pai na administração dos negócios, Thiago conseguiu transferir o curso para a Ribeirão Preto: “Quando me formei, eu já estava trabalhando com meu pai”.
“Meu pai é muito bom em fazer boas negociações. Como somos uma empresa familiar, criamos um conselho e a diretoria, que é composta pelo meu pai, eu e meu irmão. Ele é responsável pela parte financeira e eu sou responsável pela parte agrícola. Neste setor, conto com a ajuda do Leonardo, nosso colaborador. Mas, todos estão a par de tudo o que acontece”, afirma Thiago.
Além de Thiago e Theodoro, Vanderlei teve mais quatro filhas: Ana Elisa (in memoriam), Thalita, Thaiza e Thatiana. Desta geração, vieram os netos: Victor, Manuella, Helena, Cecília, Maria Sophia, Gregório e Celina.
Fiel à Uniceres
A confiança é o alicerce do relacionamento da família Zucchi Rodas com a Uniceres. O cooperado Vanderlei foi um dos idealizadores da cooperativa e, desde então, a parceria segue se fortalecendo.
“Trabalhamos com pessoas preparadas e capacitadas que somam conhecimento a todos os associados, colaborando uns aos outros. A Uniceres tem como base grandes produtores que são fiéis à cooperativa. Além de oferecer um preço bacana aos produtores, ela distribui a participação dos lucros entre os cooperados”, avalia Thiago.
Vanderlei também destaca o trabalho realizado pela Montecitrus: “A maioria dos associados tem relação com a Montecitrus, que é uma associação com grandes contatos tanto no Brasil como no exterior. Houve tempo que ela processava a laranja e transportava o produto. Todos os associados participavam dos lucros. Acredito que quem expôs a ideia da cooperativa foi Fábio. Ele pensava muito no coletivo e tinha muita capacidade de convencer as pessoas. Tanto a criação da Montecitrus e como da Uniceres contou com pessoas muito inteligentes”, ressalta.
A Uniceres se orgulha em fazer parte da história da família Zucchi Rodas, e dessa parceria traspor gerações, contribuindo para longevidade no trabalho do campo. A união fortalece a Uniceres e seus cooperados no enfrentamento dos obstáculos da vida e do campo.